Como um pilar indelével da economia, o mercado de trabalho também é movido por transformações e basta um breve olhar pela história para que possamos comprovar esse fato.
Das revoluções industriais iniciadas na Inglaterra que mudaram o eixo das forças produtivas humanas do campo para a cidade à todas as conquistas que transcorreram-se ao longo do Século XX e que trouxeram definições mais claras acerca das jornadas de trabalho, direitos e deveres das empresas e de seus colaboradores – passando ainda pelos debates contemporâneos sobre equidade, inclusão, responsabilidade social, ambiental e corporativa das organizações –, não é difícil perceber que o ambiente corporativo é, antes de tudo, um ecossistema que evolui na busca contínua pelo equilíbrio entre geração de resultados, eficiência e melhoria das condições/experiências de profissionais que escolhem dedicar seu talento e parte de suas trajetórias em uma empresa.
E, naturalmente, toda transformação macroestrutural traz consigo novos paradigmas, desafios e oportunidades que podem ser encaradas a partir de dois prismas centrais: o da resistência ou o da busca pela adaptação.
Resistir, é importante frisar, não é uma postura essencialmente negativa e faz parte, inclusive, dos processos iniciais de mudança: afinal de contas, não se trata de simplesmente embarcar em tendências, mas entender de que modo aquela transformação pode ser positiva, como ela se conecta com os valores de uma empresa e também qual a capilaridade daquela mudança em termos de demanda social, econômica e valor que ela pode trazer para o engajamento/fidelização de colaboradores.
Por outro lado, a falta de abertura sem qualquer critério para o novo pode significar a obsolescência de uma empresa e de suas lideranças que, por falta de visão estratégica e de longo prazo, perdem o passo das transformações que chegam para ficar – como sabemos, não são raros os casos de companhias que ficaram para trás na corrida da nova economia pela dificuldade que tiveram em acompanhar as transformações culturais, digitais e comportamentais do mercado.
Dito isso, nesse caldeirão disruptivo, um novo debate que avança na economia global é o da semana de 4 dias, que consiste justamente na redução de jornadas de 5 para 4 dias semanais, sem prejuízo de salários/benefícios dos colaboradores. O modelo, que vem sendo testado em diversos países e grandes economias de culturas de trabalho tão distintas quanto Japão, Islândia, Suécia, Nova Zelândia, Espanha e Portugal, embarcou recentemente no Brasil: 20 empresas participaram de um teste piloto conduzido pelas Organizações Não Governamentais 4 Day Week e a brasileira Reconnect Happiness at Work.
Mas quais os benefícios e desafios dessa proposta? E de que modo as lideranças devem atuar considerando, por exemplo, o fator que 80% dos brasileiros se interessam por uma carga de trabalho reduzida? A semana de 4 dias pode ser um diferencial atrativo dentro de um cenário de escassez de mão de obra especializada e alto índice de turnover nas empresas?
Busco analisar esses pontos no decorrer dos próximos tópicos. Me acompanha?
Benefícios e desafios do modelo “4 day week”
A melhor forma de entendermos o impacto (positivo ou negativo) de uma mudança se dá no uso de indicadores consistentes. E, dentro desse contexto, nos primeiros testes realizados ao redor do mundo, a semana de 4 dias tem apresentado, sim, resultados positivos e interessantes. Na Islândia, uma das pioneiras no teste do modelo na iniciativa pública do país, revelou-se que além de não ter ocorrido queda nos níveis de produtividade, houve uma melhora geral no bem-estar dos funcionários que passaram pela experiência.
Um dos casos mais emblemáticos nesse sentido foi o da sede da Microsoft no Japão, que identificou um aumento de 40% nos índices de produtividade. Outras gigantes como a Toyota na Suécia avaliaram como positiva a experiência e decidiram manter o modelo em seus ecossistemas de trabalho.
Por sua vez, uma consultoria da Grã-Bretanha que avaliou os testes no Reino Unido identificou uma queda de 88% nos níveis de abstinência, de 22% no aumento da produtividade, além de redução do impacto ambiental relacionado com o trabalho e crescimento das buscas por vagas em empresas participantes dos programas de 4 semanas.
No entanto, conforme supracitado, é claro que há desafios intrínsecos a uma mudança desse porte que pode influenciar, no longo prazo, o mercado de modo majoritário. Em Portugal, por exemplo, 55 companhias que participaram dos testes decidiram não dar sequência por temer uma perda de produtividade – dado o cenário econômico instável do país.
Em artigo recente do Portal Startups, por sua vez, foram apontadas algumas questões estratégicas que devem ser consideradas pelas empresas:
- Os índices de engajamento no trabalho são baixos hoje no Brasil e no mundo e, sem uma transformação cultural ampla, é pouco provável que a simples implementação de uma semana de 4 dias vá resultar em ganhos operacionais/de produtividade;
- A alternativa pode ser um caminho muito válido para a valorização do capital humano, mas as organizações precisam definir critérios de avaliação sólidos para que a estratégia e os resultados do negócio não sejam comprometidos;
Antes mesmo de pensar em processos mais arrojados como a 4 day week, as lideranças precisam “olhar para dentro” e enxergar seus gaps em termos de formação continuada de talentos, experiência dos colaboradores e processos ativos de engajamento.
Qual o propósito das lideranças e de suas empresas?
Em outras palavras: é importante que as organizações e seus líderes entendam os caminhos atuais que estão sendo implementados nas estratégias de gestão de pessoas. Não adianta embarcar em uma tendência disruptiva quando sequer os elementos básicos de valorização humana, employee experience e geração de resultados estão bem abalizados.
Que tal começar, por exemplo, pelo assessment de seus ecossistemas de trabalho, de modo a identificar rotas de desenvolvimento que podem contribuir diretamente para uma empresa que atua em prol da evolução de suas equipes e de seus indicadores de eficiência, bem-estar e ganhos estratégicos?
Sim, a semana de 4 dias – ao menos nos primeiros testes globais – tem se mostrado como uma rota que pode, no longo prazo, ser uma via transformadora e positiva para o mercado.
Mas, para tanto, sua empresa precisa estar preparada e entender, sobretudo, qual seu propósito, como ele dialoga com as novas gerações que estão formando o mercado de trabalho contemporâneo e como tais valores podem atrair, fidelizar e engajar colaboradores dentro de uma corrida muito disputada por talentos na nova economia.
Por fim, lembre-se: fazer o simples (por si só, algo desafiador) é o primeiro passo para uma mudança complexa. Você, enquanto líder, está preparado para dar início a uma jornada realmente transformadora?
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Fontes
https://startups.com.br/artigo/os-desafios-da-semana-de-trabalho-com-4-dias-uteis-no-brasil/