Se não der mais, vaza!

Clareza de propósito. Quando pensamos na construção de uma carreira bem-sucedida e, sobretudo, em uma jornada de realização pessoal e profissional, saber o que se deseja para si é o primeiro passo para nos guiar em um caminho de transformação e inspirar a inquietude necessária para a mudança e conquista daquilo que almejamos essencialmente.

Quantos de nós, entretanto, mesmo sabendo dos anseios por uma vida de mais significado, se deixam estagnar, seja por uma pretensa ilusão de estabilidade, seja por temer os desafios inerentes à busca pelo novo? Trazendo esse debate para a esfera corporativa e analisando dados sobre o mercado de trabalho nacional, não é difícil constatarmos esse cenário de vontade represada por diferentes aspectos que bloqueiam nosso desenvolvimento.

Uma pesquisa feita para o livro “É possível se reinventar e integrar vida pessoal e profissional”, de Fredy Machado, por exemplo, apontou que 9 em cada 10 brasileiros não estão felizes em seu trabalho atual. Já de acordo com dados da OnePoll, 2 em cada 3 profissionais do país têm o desejo de pedir demissão para abrir seu próprio negócio, mas apenas 21% estão realizando esforços efetivos ou já começaram sua jornada empreendedora.

Mas qual a raiz dessa permanência em uma zona de (des)conforto? E por que, muitas das vezes, somos os principais responsáveis por interromper nossas trajetórias de evolução mesmo quando oportunidades batem à nossa porta?

A neurociência oferece algumas pistas interessantes. Um estudo divulgado pelo Inc., por exemplo, apontou que nosso cérebro identifica a mudança como uma fonte de incômodo – semelhante ao modo como agimos diante de um erro – e que, por isso, preferimos evitar esse sentimento em vez de perseguir uma rota que pode nos trazer mais satisfação no médio ou longo prazo. O medo da perda, mesmo quando estamos em um ambiente que nos traz mais infelicidade do que prazer, também está associado a bloqueios diante da possibilidade de transformação.

Mas há caminhos para vencermos o receio que nos impede de evoluir. E o fato é que diferentes mercados têm visto surgir um forte movimento de pessoas saindo de seus empregos e buscando alternativas: segundo levantamento feito pela LCA Consultores, mais de 560 mil pessoas pediram demissão em fevereiro no Brasil (ou mais de 29 mil pedidos demissionais por dia). O número é um recorde no comparativo com a série histórica do CAGED (Cadastro Geral de Empregados e Desempregados), iniciada em janeiro de 2020.

Tal tendência, aliás, é visível também em outros países: nos Estados Unidos, por exemplo, 4 milhões de pessoas, em média, pedem demissão todos os meses. Só em novembro de 2021, 4,5 milhões de trabalhadores deixaram seus postos profissionais, conforme informações do Departamento de Trabalho Americano.

Sobre abraçar propósitos, desenhar nossos próprios mapas e ampliar competências

Quando paramos para nos ouvir, percebemos os impulsos e as motivações que nos fazem nos sentirmos mais vivos e estimulados para avançarmos numa jornada de plenitude. Mas essas motivações iniciais só se transformam em um verdadeiro propósito quando traçamos um plano com método, visão clara de etapas e o que precisamos para que cheguemos de um ponto A para um ponto B.

Um dos principais enganos nesse processo – e, naturalmente, uma das principais fontes de insegurança – é achar que essa mudança precisa ser realizada sem qualquer metodologia, como se estivéssemos dando passos no escuro. Mas uma transformação, ainda que tenha sempre o gosto agradável de uma aventura, pode e tende a ser mais bem-sucedida quando planejada e quando definimos objetivos de curto prazo que nos levarão às conquistas principais.

Um executivo ou executiva que deseja empreender ou fazer uma migração de carreira mais profunda pode estruturar suas reservas financeiras, estipular os passos necessários de transição e, enquanto isso, adquirir as competências necessárias para que aquele sonho se torne um projeto de vida a ser realizado com confiança e determinação.

Afinal, quando sabemos o que queremos (lembra da clareza de propósito que citei no início?) e temos os skills para corrermos atrás de nossas conquistas e agarrá-las (com unhas e dentes, se preciso for), o que temos a temer?

O valor da coragem

 Em minhas palestras e carreira no universo corporativo trabalhando com gestão estratégica de pessoas, desenvolvimento humano e organizacional, gostava de afirmar, com bom humor: “se não dá mais, temos que vazar!”.

Aplico essa filosofia como princípio para a minha vida profissional. Acumulando 13 mudanças de carreira (entre postos no mundo corporativo e iniciativas empreendedoras) ao longo de minha trajetória, jamais me apeguei a um cargo e sempre acreditei na importância da coragem como uma força que abre caminhos e cria as oportunidades para alcançarmos nossos verdadeiros propósitos.

Aliás, como escrevi no livro “Mentores e suas histórias Inspiradoras” de 2021, para mim, a transitoriedade nada tem de fugaz. É um estado de espírito, uma compreensão do tempo mais afeita a Kairós que a Chronos. Minha medida de permanência não se dá no transcorrer cronológico, mas na oportunidade de fazer a diferença, de estar por inteiro.

Assim, sempre pensei que eu não era a diretora executiva de determinada empresa, eu estava diretora, cumprindo minha jornada sob a égide de Kairós. E, logo, eu já identificava meus possíveis sucessores, cuidando de prepará-los para quando chegasse o momento oportuno – meu, deles e da organização.

Alguns movimentos foram mais complexos e levaram mais tempo, outros se deram em intervalos fluidos e ágeis. O que precisamos ter em mente é que só de caminharmos convictos rumo aos nossos objetivos, já estamos começando a conquistá-los e nossa existência ganha novas camadas de significado. Ou, como bem disse Gandhi, temos de ser a mudança que queremos ver no mundo.

Este artigo foi publicado pela Think Work.