O paradigma da crença e a liderança flexível

Definir os caminhos que poderão conduzir uma empresa para a conquista de seus objetivos tanto organizacionais, processuais e de cultura; quanto em termos de resultados financeiros de curto, médio e longo prazo é, claramente, uma das demandas fundantes na trajetória de um líder. Mas há um ponto sensível nessa equação que gostaria de trazer hoje para refletirmos em conjunto: a importância de não se confundir metas com uma mentalidade inflexível.

O fato é que há um horizonte de distância entre saber o que se quer (de uma equipe e dos indicadores que fornecem o norte para o crescimento de uma corporação) e a resistência que pode impedir uma empresa de inovar, de ampliar um porvir de transformações capazes de inserir organizações na dinâmica disruptiva do novo mercado e até mesmo de abrir espaço para novas ideias, modelos de negócio e frentes de expansão.

Essa demanda por uma maior flexibilidade das lideranças – sempre, sem dúvidas, alicerçada em valores de base e no entendimento sobre os propósitos estratégicos da companhia – é especialmente relevante dentro de um contexto mercadológico no qual os talentos e especialistas cada vez mais disputados a peso de ouro, clamam, justamente, por ambientes de trabalho mais versáteis.

Sobre essa questão, uma interessante pesquisa da Fundação Getúlio Vargas divulgada em 2022 revelou uma mudança de prioridade entre profissionais de todos os níveis e que se reflete, por exemplo, na busca por ecossistemas organizacionais híbridos e remotos, mas não só isso: há um evidente interesse pelo reconhecimento, mais até do que uma evolução vertical no sentido da conquista de postos em uma hierarquia. Concomitantemente, o trabalho em equipe aparece como uma fonte forte de engajamento.

A partir do levantamento, é possível extrair algumas deduções interessantes:

  • Reconhecer (e trabalhar em equipe) envolve também o trabalho das lideranças em saber ouvir, em extrair valor da contribuição dos talentos para novos caminhos, inovações e mudanças conjuntas;
  • Reter colaboradores valiosos para uma empresa passa (também) pela abertura para um redesenho das estruturas de trabalho e pela aceitação de que os modelos híbridos vieram para ficar;
  • Esse tipo de liderança democrática – para utilizar a definição do psicólogo americano Daniel Goleman – situacional e flexível, se adequa ao novo ambiente de negócios contemporâneo, ao passo que modelos de gestão simplesmente impositiva podem gerar contextos limitantes para o potencial das equipes/empresas.

E aqui, reforço que não se trata de afirmar que existe um único caminho para o sucesso de uma empresa ou um único modelo viável de liderança. Minha proposta é ponderamos sobre o papel da abertura – e da consequente inquietude para buscar aquilo que está fora dos limites de nossas crenças, certezas e resistências – como um caminho de possibilidades mais frutíferas para o futuro dos negócios e de seus líderes.

 

O equilíbrio entre planejamento estratégico e abertura para a mudança.

Mas a resistência para a mudança, sem dúvidas, está posta no mercado. Um estudo da Mercer Brasil com gestores de RH apontou que, para 61% dos executivos de recursos humanos, os líderes ainda não aceitam bem os ambientes flexíveis de trabalho.

Parte do entendimento desse cenário não é um bicho de 7 cabeças: o novo assusta e abraçar a mudança envolve um processo também de transformação interna, da superação de crenças limitantes e de coragem para navegar em novos mares que, sim, podem trazer consigo riscos – e o que não traz, afinal? – mas são também as fontes primárias para a construção do novo que pode ser a cartada certeira para uma empresa se diferenciar em um ambiente de negócios tão competitivo.

Além disso, acredito também que, ao menos em alguma medida, o desafio de “aceitar a flexibilidade” parte de um equívoco no qual se entende que inovar ou abrir espaço para transformações significa abrir mão de planejamentos estratégicos; do base de valores/objetivos de uma empresa.

Mas nem de longe se trata disso: tanto em empresas tradicionais como nos negócios da economia digital há exemplos de organizações que conseguem manter um fino equilíbrio entre a manutenção de seu core business e a construção de caminhos para ampliação de portfólio, criação de núcleos mais flexíveis de trabalho e estudo de novas tendências (sem que as empresas embarquem em ondas simplesmente por serem novidades).

Um exemplo claro nesse sentido se dá por meio da criação de squads/centros de inovação, que reúnem grupos multidisciplinares de colaboradores e nos quais há espaços para processos mais ágeis de inovação; enquanto a empresa mantém sua estrutura mais fixa e que sustenta os processos de curto prazo. Tais modelos têm sido implementados, com sucesso, em corporações das mais diversas – da Coca-Cola ao Google.

 

Flexibilidade como virtude de lideranças para os novos tempos

Nenhuma mudança se constrói em um estalar de dedos e a reflexão, por si só, já é um primeiro passo para adotarmos modelos mais dinâmicos de liderança.

Por hora, gostaria de deixar a provocação: busque o autoentendimento e veja, com sinceridade, se aquilo que acredita ser uma certeza, na verdade, não está se colocando como uma crença limitante e uma resistência que talvez esteja bloqueando seus caminhos de desenvolvimento enquanto líder.

E lembre-se: todos nós podemos aprender, experimentar e testar o novo, sem que para isso seja necessário perder nossa essência.