É curioso observarmos que, em um mundo guiado por transformações disruptivas e por mudanças culturais e comportamentais que abraçam os mais diversos campos da sociedade e do mercado, a ideia cada vez mais mítica da estabilidade persevere como um espelho pelo qual enxergamos não a realidade da vida, feita de movimento, mas a luz ilusória de um paradigma que já não condiz com a inquietude dos tempos contemporâneos.
Mais do que julgar, no entanto, o que me parece crucial é entendermos quais as raízes do desejo pelo estável, pelo inerte. E aqui vale abrir um parênteses: precisamos saber diferenciar o anseio básico pela segurança, um dos pilares da pirâmide de Maslow, do excesso de receio que nos impede de experimentar, sair do lugar comum, de sermos criativos e, em última instância, de vivermos a aventura de acreditar em nossos objetivos.
Em “As Valkírias”, Paulo Coelho exprime uma máxima simples, mas bastante verdadeira sobre o quanto a liderança é intrínseca a quem, vencendo o próprio medo, enfrenta qualquer perigo em prol de uma existência autêntica, pois, como diz o célebre escritor, “o mundo está nas mãos daqueles que têm a coragem de sonhar e correr o risco de viver seus sonhos”.
Nesse sentido, por que muitos de nós ainda temem esse movimento de conquista externa (de objetivos concretos, de carreira e pessoais) e de autoconquista (descoberta íntima, autovalorização e autoconhecimento)? O que nos impede de viver segundo nossos valores e motivações intrínsecas? Qual o processo podemos trilhar para superarmos o imobilismo e o temor de arriscar?
Te convido a me acompanhar nessa pequena jornada que, espero, lhe ofereça sementes que inspiram a transformação.
De onde nasce o medo da mudança?
Vamos começar tentando mapear as origens do medo de mudar, do novo e, consequentemente, do desconhecido. Recorrendo aos estudos da neurociência, uma interessante reportagem da Inc. identificou dois pontos principais relacionados a esse temor: o medo da incerteza e o medo da perda.
Sobre a questão da incerteza, a reportagem indica que, biologicamente, nosso cérebro a identifica da mesma forma que um erro que precisa ser corrigido, daí vem a sensação de incômodo, de estarmos “fora de nossas zonas de conforto”. A neurociência também explica que nos prendemos a estabilidade pelo medo de perdermos tudo aquilo que está associado ao passado e que se desvaneceria com a mudança.
O excesso de cautela é tamanho que, não raramente, nos enclausuramos em situações negativas e que atrapalham nossa evolução – um relacionamento infeliz, um emprego que não mais agrega valor a nossas carreiras, etc. Em 2019, por exemplo, uma pesquisa do LinkedIn atestou que mesmo descontentes, 63% das pessoas se mantinham em trabalhos que já não lhes motivava ou inspirava e outros 79% deixava de se candidatar a vagas que lhes interessavam.
Mas o obstáculo do temor da mudança e da transformação não é intransponível. E sua superação começa como um exercício.
Exercitando o poder de escolha e superando o imobilismo
O processo de mudança, na minha visão, se inicia por impulso de coragem. Mas esse impulso inicial deve ser alimentado com hábitos e exercícios que, gradativamente, nos permitem incutir a mentalidade da autonomia. Nesse sentido, devemos exercitar tanto nosso poder de abrir mão, de dizer não para aquilo que não é mais conveniente ou que nos distancia de nossos anseios e convicções; quanto de dizer sim e de saber identificar oportunidades que nos interessam quando elas surgem em nossas vidas.
Para tanto, concomitantemente, devemos estimular um movimento de abertura para a mudança. Nada se transforma quando estamos fechados em si mesmo, quando não estamos dispostos a dialogar, aprender e se inspirar com o mundo que nos cerca. Finalmente, devemos criar pontes entre a inspiração externa e nosso core, nossa essência que permeia nossos valores e desejos mais profundos.
Podemos traçar um paralelo com a obra Ética a Nicômaco, de Aristóteles. O filósofo explicou que, no processo de construção ética e de uma racionalidade prática, devemos ter a coragem de caminhar para margens que muitas vezes, nos são desafiadoras – fugindo assim de nossas zonas de conforto. Se temos medo, Aristóteles dizia para tentarmos nos aproximar do outro extremo – a coragem – e assim alcançaríamos o equilíbrio e que gosto de definir como a plenitude de vivermos segundo nossos ideais.
Como se planejar para grandes transformações?
Naturalmente, esse exercício de liberdade traz consigo desafios. Em outras palavras: assumir o risco não significa negar que ele existe, mas sim, como bem disse Nassim Taleb, saber que é justamente da dificuldade que nasce o gênio. Além disso, uma mudança verdadeira tem a ver com construção, planejamento e melhoria contínua.
Acredito piamente e já escrevi sobre a importância de nos planejarmos para vivermos aquilo que desejamos e, ao mesmo tempo, de aceitarmos que esse processo caminha em conjunto os elementos de incerteza da existência, com possibilidades que muitas vezes nos fazem alterar rotas e com o respeito ao tempo de cada um e da própria vida.
Nesse movimento de desenho das linhas de nossas trajetórias, o primeiro passo, na minha visão e como dito anteriormente, se dá quando abraçamos o impulso da coragem de mudar. Em seguida, dentro de uma rota de autoconhecimento e aprendizado – que pode envolver cursos, leituras, processos de coaching e a construção de redes de suporte e troca – precisamos aprender a acessar nossos valores e anseios essenciais, nosso core.
Finalmente, o plano da mudança pode ser traçado – desde que estejamos cientes da importância da flexibilidade e da autonomia que devemos ter, inclusive, para aperfeiçoarmos/mudarmos uma ideia inicial. Estamos, afinal de contas, nesse processo contínuo de (re)construção e transformação. E, mais do que uma ilusão, a estabilidade é um mito que jamais nos impedirá de enfrentar desafios.
Pois estar vivo é se arriscar: cabe a nós ver a beleza por trás dos riscos e assumirmos a autonomia sobre nossas histórias.