O desapego nos eleva para além do visível “ser bem-sucedido”

O psicólogo Abraham Maslow, na sua clássica pirâmide das necessidades, já apontava a autorrealização e, em última instância, a própria transcendência, como o topo das buscas humanas a partir do momento em que conquistamos demandas mais elementares como as fisiológicas, de segurança, de sociabilidade e da estima do outro. O tema – que já foi analisado em estudos científicos no Brasil e no mundo – pode ser comprovado de modo empírico se passamos a observar, com atenção, nossas próprias trajetórias de vida e de carreira.

Quantos líderes, ao redor do planeta, por exemplo, após um percurso de conquistas, de terem alcançado tudo que o sucesso pode oferecer em termos materiais e de reconhecimento em suas respectivas áreas, não passaram a abraçar causas humanitárias, jornadas em busca de autoconhecimento, doaram fortunas para a construção de legados para a sociedade ou simplesmente se voltaram para elementos mais simples e essenciais da vida, como a família, os amigos, as experiências cheias de significado?

Na minha visão, essa capacidade de desapego, de nos elevarmos para além da camada mais visível do “ser bem-sucedido”, é também uma demonstração do potencial de se abraçar e de gerar mudanças – virtude essa tão importante para o desenvolvimento de qualquer profissional. Sim, pois ao estarmos prontos para abrir mão, significa que estamos prontos para nos adaptar, que temos resiliência para enfrentar desafios e que, sobretudo, não temos medo de desenhar nossos próprios caminhos alinhados com valores, propósitos e sonhos reais.

A transformação, a inquietude e o movimento sempre fizeram parte de minha vida e nunca cessei de correr atrás daquilo que fazia sentido para mim, mesmo se tivesse – como muitas vezes o fiz – de abrir mão de ganhos materiais, de posições e títulos hierárquicos em grandes companhias, porque, no fim, a felicidade profissional tem mais a ver com plenitude e amor pelo que se faz e o que se é, do que com a imagem exterior do sucesso.

Concomitantemente, sempre incentivei meus colaboradores a buscarem seus objetivos essenciais – dentro ou fora das empresas onde nossas trajetórias se cruzaram. Afinal, como sempre digo para amigos e colegas, nada é mais importante em uma carreira do que a clareza de propósito e, quando nossos anseios não casam mais com os de uma organização, sem dúvidas, é chegada a hora de mudar.

Esse, aliás, é um desafio importante para as lideranças: o que você deseja? Formar novos líderes e atrair talentos que realmente sonham em dividir parte de suas trajetórias para construir o legado de suas empresas? Ou prefere não aceitar a mudança, criando um clima corporativo que cria barreiras para o desenvolvimento pessoal e profissional?

Sim, pois desapego é também aceitar que talentos passam por sua empresa e, cada vez mais, dentro de ciclos ágeis, partem em busca de novos desafios. É importante não só entender esse movimento, mas exercitar a empatia e a felicidade pela busca do outro.

Longe de ser um discurso meramente idealista, tal capacidade tende a facilitar a adaptação de sua companhia dentro do novo contexto global do mercado de trabalho em que, segundo uma pesquisa recente da Harvard Business Review, 90% dos profissionais trocariam até 23% dos seus ganhos financeiros por trabalhos com mais propósito e sentido para as suas vidas.

E não se trata também de ignorar a competitividade do mercado ou nosso próprio senso de competição. Ficar feliz pela mudança ou pela conquista do outro não significa abrir mão de nosso desejo de vencer, de transformar, de gerar impacto. Mas vencer também significa fazer nossos colaboradores, colegas e pares crescerem – seja dentro de nossas organizações ou seguindo os caminhos que tiverem mais significado para suas histórias.

É preciso que lembremos, enquanto lideranças, que nosso trabalho tem efeitos que vão muito além dos muros de uma empresa. Ao estimularmos o desenvolvimento de pessoas, criamos um clima organizacional e ambientes de trabalho positivos que, sem dúvidas, tendem a repercutir para fora, gerando um ciclo de atração e renovação de talentos. Em outras palavras: o apego e o medo da mudança são próprios não das grandes empresas e dos grandes líderes, mas daqueles que sabem que tem pouco a oferecer.

Ademais, esse lembrete também vale para nós: na minha jornada corporativa, sempre dizia que não era diretora, estava diretora, e passo essa mensagem para os presidentes, CEOs e outras lideranças com quem atuo e atuei diretamente. A vida profissional, assim como a vida pessoal, é feita de ciclos.

E aqueles que estão prontos para abdicar de valores passageiros em prol da plenitude em suas carreiras, são também aqueles mais aptos para enfrentarem os desafios e enxergarem as oportunidades de um mercado em que as transformações (digitais, metodológicas e humanas) correm sem cessar. Desapegar-se, nesse sentido, significa estarmos prontos para o futuro e para enxergarmos o essencial que nos movimenta e que inspira.

 

Este artigo foi publicado pela Revista Gestão RH.