Se toda crise é um desafio, os cenários de adversidade são especialmente impactantes quando afetam pessoas que, afinal de contas, são feitas de carne, osso, mas também de emoções, objetivos e que, em diferentes contextos, podem ter seus planos de vida sensibilizados em meio a um período de tormenta.
Tomemos como exemplo o ambiente de crise mercadológica iniciado, sobretudo, ainda no contexto de calamidade pública da pandemia de Covid-19 a que se somaram outros fatores macroeconômicos e políticos que, por sua vez, inflaram um movimento recente de demissões e layoffs em diferentes setores e tipos de organização – desde grandes companhias até startups promissoras.
O segmento de inovação, aliás, foi afetado de modo mais incisivo e particular no transcorrer dessa tendência. Ao longo de 2023, por exemplo, mais de 258 mil processos de layoff foram iniciados por 1.161 mil startups de tecnologia ao redor do mundo. Não por acaso, o atual cenário vem sendo descrito por analistas econômicos como o “inverno das startups”.
E aqui é importante deixar claro um ponto inicial: o layoff, não necessariamente, implica em uma demissão futura. Na verdade, o mecanismo é uma forma – coberta no Brasil pela Consolidação das Leis Trabalhistas – para que as empresas preservem um vínculo com seus colaboradores (muitas vezes, talentos diferenciados em um ambiente econômico que ainda sofre pela escassez de mão de obra especializada), enquanto buscam alternativas para se reequilibrarem financeiramente.
Dentro dos processos de layoff no Brasil, aliás, há o direito a auxílios disponibilizados, por exemplo, pelo Fundo de Amparo ao Trabalhador, ao passo que muitas empresas também oferecem compensações para apoiar seus talentos durante os períodos de suspensão de contratos.
Todavia, o suporte financeiro por si só não basta quando pensamos na dinâmica de organizações que:
- Desejam realmente fidelizar e manter suas equipes a partir de uma reestruturação financeira bem-sucedida;
- Se preocupam genuinamente com a experiência de seus colaboradores – mesmo em cenários no qual a demissão não poderá ser evitada.
Para que esses objetivos sejam alcançados – em linha com um artigo recente que escrevi sobre o papel do salário emocional nas empresas – devemos pensar também na humanização dos contextos de crise.
Os indicadores por trás da tendência global de layoffs
Mas antes de analisarmos os pontos-chave para que líderes atuem com humanismo em situações desafiadoras que podem motivar layoffs ou mesmo demissões, é importante lembrarmos que, por trás de toda crise macroeconômica, há diferentes fatores que a motivam.
No caso dos movimentos recentes de layoff, por exemplo, além dos efeitos ainda presentes (de modo mais ou menos incisivos, a depender do mercado) do cenário de pandemia; temos desde crises geopolíticas (como as guerras russo-ucraniana e Israel x Palestina) que, além de levar sofrimento para tantos povos e famílias, impactam nas cadeias econômicas globais; até o refreamento do mercado de capitais nas vertentes do venture capital – cujo peso foi significativo para o “inverno das startups” .
E por que falar desses tópicos? Porque um bom líder é também aquele que sabe analisar, para além dos muros de sua empresa, aquilo que ocorre na sociedade, os indicadores de mercado e também as tendências – positivas ou negativas –, de modo que possa antecipar cenários, criar estratégias, aproveitar oportunidades e preservar, ao máximo, o legado humano e financeiro de uma organização por meio da compreensão dos fatores que impactam, em maior ou menor escala, os negócios de uma companhia.
Obviamente, não somos deuses ou leitores de bolas de cristal e há contextos mais imprevisíveis – os chamados cisnes negros – diante dos quais teremos que descobrir as ferramentas para superá-los enquanto eles ocorrem. No entanto, certos cenários nos oferecem insumos mais evidentes para nos prepararmos diante da iminência de uma crise.
Essa habilidade de leitura do mercado e da sociedade nada mais é do que a tão buscada visão estratégica que nos diferencia enquanto gestores.
A humanização de toda a jornada do colaborador
E, além de estratégico, precisamos ser humanos, líderes humanistas que valorizam as relações, a contribuição de suas equipes para o crescimento da empresa e que, nesse sentido, terão sensibilidade para que toda a jornada do colaborador na organização seja, tanto quanto possível, valorosa e positiva.
Em um layoff ou processo de demissão, por exemplo, há alguns pilares importantes a serem seguidos para além do eventual suporte financeiro da empresa:
- Construa uma cultura de feedback e explique, com transparência, o cenário vivido pela empresa, de modo que o colaborador tenha clareza sobre aquilo que está motivando o desligamento (temporário ou definitivo);
- Ouça, inclusive com abertura para melhorar pontos que, na visão do colaborador, poderiam contribuir para jornadas mais positivas em termos de employee experience;
- Lembre-se que o feedback é uma troca, não um processo de mão única;
- Evite comunicações frias por e-mail ou carta “pegando de surpresa” um colaborador e sem chance de diálogo;
- Forneça recomendações (inclusive em redes como o LinkedIn) e apoie seus talentos em jornadas de recolocação no mercado.
O filme “Up in the air”, indicado ao Oscar em 2009 e estrelado por George Clooney é uma recomendação que deixo para todos os líderes, pois trata, justamente, dos desafios intrínsecos aos processos de layoff e desligamento, fornecendo importantes lições de ações positivas e daquilo que precisa ser evitado se quisermos humanizar essa questões, por si só, já tão delicadas.
Por fim, lembro sempre que, por mais complexo que possa ser um desafio que se apresenta em sua jornada, lembre-se que nossa vida é feita de movimento e inclusive de recomeços que podem ser uma chance para brilharmos ainda mais e nos reconectarmos com nossos reais anseios.
Te desejo um 2024 cheio de força, resiliência, atitude, oportunidades e propósito!
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Fontes
https://exame.com/carreira/o-que-esta-por-tras-da-onda-de-demissoes-em-massa-no-brasil/