O poder da superação e do saber se ouvir.
O ano era 2007 e, apesar de passados quase duas décadas, lembro-me como se fosse ontem de um episódio que me fez repensar toda a minha vida.
Era executiva de RH de uma grande companhia do varejo automotivo brasileiro e, após um período de conquistas importantes que pavimentaram uma jornada de reconhecimento na área que mais amo – o desenvolvimento de pessoas, talentos e lideranças –, minha mente e meu corpo deram sinais de que era chegado um período de uma pausa, de cuidar mais da saúde e do espírito, dentro de um processo de reconexão com anseios pessoais e da busca pelos sentidos existenciais e filosóficos de minha vida.
Ainda assim, em meio a tantas responsabilidades e demandas que fazem parte da trajetória de qualquer liderança, ignorei esse “chamado interno” e os respectivos alertas que foram se somatizando fisicamente: comecei a sentir dores, um acúmulo de stress e a ter noites mal dormidas, sempre correndo atrás do máximo de eficiência no trabalho que tanto gostava e deixando para amanhã esses sinais vitais.
E aqui coloco uma questão importante: é muito comum confundirmos a necessidade de dar uma pausa com o fato de que não amamos nossas escolhas profissionais. Mas não se trata disso: de fato, pode ocorrer um impulso por uma transformação mais profunda, 360 graus de novos ares e novos planos de vida. Não raro, no entanto, trata-se simplesmente não ignorar nossa necessidade por mais tempo de qualidade, autocuidado e pela importância em equilibrar buscas da carreira com a vida que fica para além dos muros dos escritórios.
É disso também que é feita a superação, uma arte sutil embasada no entendimento de que, ao mesmo tempo em que temos de ser resilientes para superar os desafios e agarrar as oportunidades e conquistas que surgem em nossas jornadas profissionais, não podemos abandonar nossas fontes de contentamento, força e sustentação que habitam o terreno da saúde (mental e física), do espírito (sob a forma de nossas aspirações mais essenciais de autoconhecimento) e do convívio com o outro (com amigos, familiares e nossas redes de apoio e afeto).
Sobre se ouvir e se permitir dar uma pausa
As dores foram se intensificando e eu seguia ignorando-as em uma corrida incessante pelo desempenho e, literalmente, quase que sufocada de tantas obrigações até que um dia, na volta de uma viagem a Goiânia, senti uma dor renal terrível, aguda e repentina, como se estivesse sendo perfurada.
Com a ajuda de amigos, fui ao hospital e, depois de um ciclo de dores intermináveis e de uma internação seguida de cirurgia, me vi cheia de tubos, tomando soro e com um balão de oxigênio. Em resumo: não encontrei um momento para me cuidar e uma agenda para ir ao médico. Quando me dei conta, estava na UTI, e, “não podendo parar por um dia”, parei por mais de um mês, após um longo ciclo de recuperação que envolveu ainda semanas de fisioterapia respiratória.
Com essa experiência repensei toda a minha vida. Além de sair mais forte dela, como uma fortaleza, prometi a mim mesma que não me abandonaria e que não ignoraria os pedidos de pausa do corpo e do espírito; que, enquanto seguiria na minha rota de desenvolvimento e conquistas profissionais, fortaleceria ainda mais a conexão com amigos – fundamentais nesse processo de recuperação – e me permitiria partir nas minhas jornadas de descobertas espirituais e filosóficas que, poucos anos depois, ampliaram ainda mais a minha consciência sobre aquilo que, de fato, tem valor na vida.
Saber se ouvir e se permitir dar uma pausa é uma válvula necessária, inclusive, para reordenar rotas, ajustar planos, oxigenar ideias e, sobretudo, descansar, apreciar o ócio, o outro, a leitura de um bom livro ou filme que poderão, aliás, te trazer insights no futuro.
Mas esse é um desafio para as lideranças: não por acaso, uma pesquisa de 2022 apontou que equilibrar a vida pessoal e profissionais está entre as três principais dificuldades dos líderes contemporâneos atrelada a outra questão correlata: a gestão de tempo.
Superando obstáculos e correndo com inteligência
Por isso, quando falo hoje de superação e da jornada pela conquista de objetivos, levo sempre em conta a necessidade de sabermos estruturar nossas vidas de um ponto de vista mais amplo em que o equilíbrio seja a base que sustenta conquistas.
Essa discussão está na base, aliás, dos modelos que vêm sendo discutidos hoje de horários flexíveis e das novas gerações de talentos que não abrem mão de tempo de qualidade e de anseios pessoais por uma carreira simplesmente guiada por cargos e trajetórias verticais de crescimento.
Dentro desse processo, acredito que o desempenho e a eficiência estão muito mais ligadas a questões como inteligência, capacidade de delegar, visão estratégica e holística, capacidade de concentração e de mindfulness; do que de um acúmulo de tarefas ou responsabilidade: em outras palavras, precisamos refletir se quem está sempre ocupado, de fato, está sendo eficiente.
Minha dica é que, ao nos dedicarmos às nossas responsabilidades de carreira, trabalhemos processos de atenção plena, dando o máximo de nós e pensando estrategicamente em como desafios e obstáculos podem ser solucionados.
Mas saibamos também a hora de parar, de estabelecer fronteiras entre a vida pessoal e profissional (respeitando esses limites na relação com colaboradores) e, principalmente, tendo a ciência de quem sem saúde e sem as bases espirituais, familiares, intelectuais e do convívio com aqueles que amamos, mais cedo ou mais tarde, nosso castelo de eficiência irá se romper.
Pois a rota de superação e de conquistas é uma rota de equilíbrio: nela, devemos saber a hora de acelerar e descansar os motores – antes que a vida nos imponha paradas abruptas. Para isso precisamos nos ouvir. E você, como está a sua autoescuta?